O mistério histórico do Manuscrito 512

Também chamado "Documento 512", consiste em um um dos arquivos manuscritos da época do Brasil colonial que está guardado no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Seu autor é desconhecido mas trata da documentação da expedição de um grupo de bandeirantes também nada ou pouco identificável em curso do interior baiano. Até aí, nada demais, porém, sua relevância está no que é descrito na viagem. O encontro de alguns bandeirantes com as ruínas de uma cidade perdida, uma civilização arruinada em meio à selva brasileira com indícios de desenvolvimento cognitivo, além de riquezas, e um fim desconhecidos chamou a atenção de muitos desde o século XIX.

É narrado o encontro de uma incrível cidade abandonada em lugar desconhecido daquele ponto. A descrição da cidade a torna extraordinária por vários aspectos. Sua arquitetura, simbologia, organização entre outros pontos extremamente incomuns que mais se assemelham a uma mistura de cultura de várias civilizações grandiosas no passado juntas. Como algo nunca visto antes.

O achado do Documento

Tão importante quanto seu conteúdo está no fato de como ele foi encontrado. Hoje o documento é um dos mais famosos da Biblioteca Nacional. Seu acesso ao original é extremamente restrito, embora uma versão digitalizada dele tenha sido disponibilizada com a atualização digital da biblioteca nacional. Resta saber se oque está disponibilizado é tudo ou se é o mesmo.

A peça data do ano de 1753. Algo que é bem plausível devido ao fato de que a forma escrita parece bastante setecentista e por determinados aspectos relatados. A carta parece ter sido enviada para o vice-rei da época, mas porém, somente em 1838, isso é, 87 anos depois, já deteriorado pelo tempo, foi descoberto pelo ilustre estudioso carioca Manuel Ferreira Lagos (1816 - 1871),e posteriormente levado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) recém-criado um ano antes e que havia sido admitido no mesmo ano. Lá, um de seus fundadores, o cônego carioca Januário da Cunha Barbosa (1780 - 1846),  orador sacro, historiador, jornalista, poeta, biógrafo e político importante no Primeiro Reinado, ao vislumbrar o relato lhe fez uma cópia e publicou na primeira edição da então criada Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Assim, o documento entrou para o conhecimento público.


"Nesta ocasião não havia qualquer tipo de pesquisa arqueológica ou antropológica no Brasil. Por ocasião do descobrimento do manuscrito o mesmo já estava se encontrava bastante arruinado pela passagem do tempo". - Diomário Gervásio de Paula Filho. Manuscrito 512, PARTE III - O ENCONTRO COM A ANTIGA CIDADE. pg 10
O que antes era a Biblioteca Pública da Corte, tornava-se o instituto da Biblioteca Nacional. Postado na integra na Revista, Manuel Lagos se ofereceu para litografar e doar 500 exemplares das inscrições sobre a cidade abandonada, com num esforço em encontrar seus vestígios.

Em um contexto de busca da identidade nacional, e valoração dos atributos brasileiros, o documento ganhou um destaque e um enfoque cada vez maiores ao longo dos anos, tanto por parte de aventureiros, como intelectuais, religiosos, e até do próprio imperador Dom Pedro II e até hoje, invocando a mais diversas expedições, aventuras e teorias possíveis, porém, até oque se sabe hoje, materialmente infrutíferas.

O relato, os Bandeirantes e a Cidade

Como era comum nos documentos de caráter expedicionários da época, o "título" é chamado conforme o enunciado de seu texto: Relação histórica de uma oculta e grande povoação antiquíssima sem moradores, que se descobriu no ano de 1753, [...]

Os bandeirantes estavam nos chamados "sertões", rotulação usada mesma naquela época para qualquer incursão no interior na América portuguesa, a busca de metais preciosos. Na parte mais conhecida, a do encontro da cidade, é contado que alguém do grupo avistou uma grande montanha que se destacava por ser brilhante, por conter cristais em sua superfície e que atraiu a atenção do grupo, bem como seu pasmo e admiração. Ao tentar escalá-la e transpô-la, verificou-se ser impossível com os métodos disponíveis. Foi possível apenas por acaso, pelo fato de um negro que acompanhava a comitiva quando caçava um animal encontrou na perseguição um caminho pavimentado em pedras que passava por dentro da montanha indo a um destino totalmente desconhecido.

Após atingir o topo da montanha de cristal os bandeirantes avistaram uma grande cidade, que a princípio confundiram com alguma já existente da costa brasileira e devidamente colonizada e civilizada, mas ao inspecioná-la mais de perto viram uma lista de estranhezas entre ela e o estilo local, além do fato de estar em alguns trechos completamente arruinada, e absolutamente vazia: seus prédios, muitos deles com mais de um andar estavam abandonados e sem qualquer vestígio de presença humana, como móveis ou outros artefatos.

Entrar na cidade era possível apenas por um caminho, macadamizado e ornado na entrada com três grandes arcos, o principal e maior ao centro, e dois menores aos lados; o autor do texto expedicionário observa que todos traziam inscrições em uma letra indecifrável no alto, que lhes foi impossível ler dada a altura dos arcos, e menos ainda reconhecer.


Inscrições dos símbolos encontrados pelos bandeirantes relatados no documento

O aspecto da cidade narrada no documento 512 mescla caracteres semelhantes aos de civilizações antigas, porém traz ainda outros elementos não identificados ou sem associação; o cronista observa que todas as casas do local semelhavam a apenas uma, por vezes ligadas entre si em uma construção simétrica e uníssona.

Há descrição de diversos ambientes observados pelos bandeirantes, admirados e confusos com seu achado, todos relatados com associações do narrador, tais como: a praça na qual se erguia uma coluna negra e sobre ela uma estátua que apontava o norte, o pórtico da rua que era encimado por uma figura despida da cintura para cima e trazia na cabeça uma coroa de louros, os edifícios imensos que margeavam a praça e traziam em relevo figuras de alguma espécie de corvos e cruzes.


(...) collumna de pedra preta de grandeza extraordinaria, e sobre ella huma Estatua de homem ordinario, com huma mao na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao Polo do Norte; em cada canto da dita Praça está uma Agulha, a imitação das que uzavão os Romanos, mas algumas já maltratados, e partidos como feridas de alguns raios. (...)

Segundo a narrativa transcrita no documento, próximo a tal praça haveria ainda um rio que foi seguido pela comitiva e que terminaria em uma cachoeira, que aparentemente teria alguma função semelhante a de um cemitério, posto que estava rodeada de tumbas com diversas inscrições, foi neste local que os homens encontraram um curioso objeto que segue descrito a seguir.

O único objeto mencionado pela expedição de bandeirantes, que foi encontrado ao acaso, e descrito cuidadosamente na carta consiste em uma grande moeda confeccionada em ouro. Tal objeto, de existência e destino incógnitos, trazia emblemas em sua superfície: cravados na peça havia em uma face o desenho de um rapaz ajoelhado, e no reverso combinados permaneciam as imagens de um arco, uma coroa, e uma flecha.

Entrementes, quando a expedição seguiu adiante e encontrou os rios Paraguaçu e Una, o manuscrito foi confeccionado em forma de carta, com o respectivo relato, e enviado às autoridades no Rio de Janeiro; a identidade dos bandeirantes do grupo aparentemente foi perdida, restando apenas o manuscrito enviado, e a localização da cidade supostamente visitada tornou-se um mistérios que viria atrair atenção de renomadas figuras históricas.

Especulações sobre os registros

Na teoria do próprio cônego Januário da Cunha Barbosa adicionou a publicação da transliteração do documento original um prefácio, onde teorizava que poderia haver uma relação entre o assunto do documento e a saga de Robério Dias, o Muribéca, filho de Belchior Dias Moreia, homem que fora aprisionado pela coroa portuguesa por se negar a fazer revelações a respeito de minas de metais preciosos na Bahia em outro episódio de misterioso achados preciosos naturais nunca esclarecidos. 

Analisando-se as bandeiras da época, especula-se que o autor do documento poderia ser o mestre-de-campo João da Silva Guimarães. O nome de Antônio Lourenço da Costa também é considerado.

De acordo com o escritor Barry Fell, as inscrições são em grego ptolomaico, uma forma de egípcio demótico, havendo trechos em alfabeto de escorpião (muito usado pelos caldeus nas suas impressões em tesouros escondidos, entre outros usos. São lidas e traduzidas como segue:

Kuphis - Ptolomaico corrupto: "Perfumes de Fragrância."
Hedysmos - Ptolomaico corrupto: "Ervas Aromáticas e Temperos."
Khrys Phlkioun - Alfabeto de Scorpio: "Tesouraria de Ouro."
Asem Ephedria - Ptolomaico corrupto: "Casa-guarda para barras de prata não-estampadas".

Diomário Gervásio de Paula Filho em sua tese sobre uma possível colonização romana e fenícia-cartaginesa na antiguidade em terras brasileiras afirma sobre o contexto da época:


"Na época da descoberta, Portugal estava negociando o Tratado de Madrid no qual ficava estabelecido que quem provasse que estava de posse de terra seria seu legítimo dono. Quando a Coroa Lusitânia soube do encontro com a velha cidade romana, tratou de imediato de ocultar o fato, até mesmo o comandante da Bandeira em seu manuscrito afirmava estar preocupado com a possibilidade de um companheiro denunciar a existência das ruínas e sugeria ao vice-rei que mandasse mais homens para remover todas as pedras. 
O fato é que a Coroa Lusitânia nunca permitiu que qualquer informação sobre a descoberta de ruínas chegasse ao conhecimento do grande público, apagando-se então a história da colonização Romana no Brasil." - Diomário Gervásio de Paula Filho. Manuscrito 512, Introdução, pg 3

Ele também afirma em tese que a bandeira cuja identificação foi restrita seguia os passos de Robério Dias (Muribéca):


"Na parte seguinte é narrada a história de uma bandeira que se aprofundou no sertão da Bahia em 1753 em busca das Minas de prata de Belchior Dias e descobrir a tal serra de cristal e lá em cima encontrou uma grande cidade Romana, tendo a descrito detalhadamente". Diomário Gervásio de Paula Filho. Manuscrito 512, PARTE II, As primeiras bandeiras. pg. 10
Pablo Villarrubia Mauso, que fez uma expedição em busca da cidade perdida para a revista Sexto Sentido, acredita tê-la encontrado em Igatú, município de Andaraí, em plena Chapada Diamantina, no Estado da Bahia, seguindo orientação do explorador alemão Heinz Budweg, que afirma que as ruínas são fruto de construções vikinks do ano 1000. Outra hipótese diferente é do linguista e explorador Luis Caldas Tibiriçá. Segundo ele:


“Alguns edifícios assemelham-se aos da Idade Média da Etiópia. As inscrições encontradas poderiam ser do idioma gueez, dos etíopes, os mesmos que, em suas crônicas, falavam de terras distantes que alcançaram com suas embarcações”

Tibiriçá descarta a hipótese das ruínas serem antigas construções dos próprios nativos indígenas.

NOTA

Foto de titulo: 1a página do manuscrito 512 (digitalizado)

FONTES

Wikipédia, a enciclopédia livre - Manuscrito 512

Wikipédia, a enciclopédia livre - Januário da Cunha Barbosa

Paula Filho, Diomário Gervásio de. Manuscrito 512

Manuel Ferreira Lagos - Perfil IHGB

Links externos

Manuscrito 512 digitalizado - Acervo Digital Biblioteca Nacional

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

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